#10/ Cronicamente online: destino inevitável ou mal a ser combatido?
Há duas semanas, emprestei o carregador do meu celular para uma colega de trabalho e, assim, me auto-condenei a ficar de quinta-feira à noite até terça-feira sem celular. Não vou para a agência às segundas e sextas e, na minha cabeça, não fazia sentido comprar um carregador para apenas cinco dias. Ninguém nunca morreu de FOMO1 — e também não teria como sentir Fear Of Missing Out sem saber o que está acontecendo, certo?
Além disso, duas outras coisas corriam em paralelo: 1. Tenho o WhatsApp conectado no notebook, então poderia avisar as pessoas sobre o que estava acontecendo e me comunicar quando necessário — maluca, sim; irresponsável, jamais. 2. Há um bom tempo, eu queria ter essa experiência de ficar online apenas quando necessário, e essa seria uma ótima forma de começar. Juro, fiquei extremamente animada com a situação. Então, na sexta-feira à noite, depois de um dia intenso de trabalho, avisei a todos da minha ausência e guardei o celular dentro da gaveta da mesinha de cabeceira. Imediatamente, senti paz.
Tomei um banho sem levar o celular para o banheiro, assisti a alguns episódios de Dr. House sem nenhuma distração (sim, estou reassistindo à série pela milionésima vez) e terminei um livro que estava demorando mais do que o necessário para terminar. Na manhã seguinte, fui ao supermercado e levei apenas uma listinha escrita no papel. Sem fones de ouvido no transporte público, prestei atenção nas conversas mais absurdas que já ouvi.

Em 2008, a internet era um paraíso. Assim como toda garota nascida no final dos anos 90, me inspirei em personagens como Carrie Bradshaw (Sex and the City, 1998), Jenna Rink (De repente 30, 2004), Miranda Priestly e Andy Sachs (O Diabo Veste Prada, 2006). Queria ser colunista de uma revista importante, me vestir bem e participar de eventos exclusivos. Gostava de colecionar livros da Martha Medeiros e da Tati Bernardi, colunistas, cronistas e roteiristas que me inspiravam muito, imaginando que talvez pudesse ter meu nome assinando uma coluna na Folha de S.Paulo também ou um livro publicado antes dos 30 anos. E, como se não bastasse uma pré-adolescência inteira de pequenos textos escritos no Tumblr e no Fotolog, em 2012 criei um blog no falecido Blogspot, inspirada pelo site da Bruna Vieira — o extinto Depois dos Quinze. Ao mesmo tempo que lia livros, assistia filmes e escrevia textos, tinha uma conta no Orkut, baixava músicas para meu mp3 no Emule, entrava no MSN, colocava música no status, conversava com meus amigos e podia ficar invisível, se quisesse.

A internet foi fundamental para a formação de quem sou hoje. Costumava dizer que fui criada por ela, porque foi lá que tive contato com a maior parte das coisas que defendo. Foi nesse ambiente digital que descobri causas e desenvolvi uma paixão por elas, algo que moldou profundamente meus valores. Hoje percebo que essas referências e informações obtidas na adolescência foram decisivas na minha formação profissional. Mas estamos em 2024 agora e nesse momento tenho mais conversas não lidas do que respondidas no WhatsApp, mais de 20 notificações em cada uma das redes sociais do celular e, após cinco dias sem acesso à internet, descobri algumas coisas:
Sobrevivi.
Saber de tudo e estar em todos os lugares ao mesmo tempo foi a pior coisa que me aconteceu.
Durante esses cinco dias, pensei muito na Julia de 14 anos. Acho que ela estaria orgulhosa de quem eu me tornei. Não sou uma colunista famosa e ainda não comecei a escrever um livro, mas a cada dia que passa conquisto um pouquinho de tudo aquilo que antes era apenas um sonho adolescente. Trabalho há anos com audiovisual e internet e não é nada parecido com o que os filmes de 2004 retratavam, é bem menos glamuroso e muito mais workaholic. No entanto, falando como alguém que mora metade em São Paulo e metade na internet, invejo a minha própria versão de 14 anos que poderia ficar verdadeiramente offline quando quisesse.
CRONICAMENTE ONLINE
Há cinco dias uma matéria no Estadão tinha como manchete: “Cronicamente online, geração Z aponta piora na saúde mental por uso excessivo de redes sociais.” Mas afinal, o que isso significa?
Esse estado pode ser definido pelo seu tempo de uso nas redes sociais e quais conteúdos você consome, dessa forma determinamos suas referências, seus gestos, seu vocabulário e mensuramos o quanto você está “atualizado” das tendências, memes ou do que podemos chamar de “idioma virtual”. Se você sabe o que são meias de millenial, verde lésbico, beijos e corações da Maya Massafera ou leu a thread de It Ends With Us sobre a Blake Lively, então você pode se considerar cronicamente online.
“Para alguém que não está ‘cronicamente online’, algumas imagens ou palavras desconexas podem desencadear um lampejo de reconhecimento - um membro da família real, um personagem de desenho animado - mas a relação entre elas é impossível de desvendar. Adicione a linguagem absurda da cultura online e os algoritmos impenetráveis que decidem o que vemos em nossos feeds, e parece que toda esperança se perde quando se trata de dar sentido à internet.
Como isso aconteceu? Quando nossa comunicação digital se tornou tão difícil de decifrar?” - DAZED2
Há quem considere estar cronicamente online como um elogio, um objeto de desejo ou um mal a ser combatido. Estar atualizada sobre o que acontece no mundo, nas marcas, no cinema, na música e no design é um trunfo muito relevante no meu universo profissional. Referência e bagagem fazem muita diferença na hora de construir textos, traçar planos e criar estratégias, mas não importa o quão cronicamente online eu esteja, sempre haverá alguém mais cronicamente online do que eu.
Na vida pessoal, me permito abrir mão completamente disso. Gosto de pé na grama, som dos pássaros, filmes antigos e confortáveis, textos escritos à mão, revistas, livros grandes e, principalmente, de não atender ligações e não receber nenhuma notificação. Ao perceber isso, sinto como se tivesse descoberto a resposta de todas as coisas. Mais do que nunca, sinto-me pronta para a vida. Pronta tipo banho tomado e cabelo molhado penteado para trás. Pronta tipo louça lavada, casa arrumada e roupa de cama limpa. Por trás dos meus cabelos brancos e das olheiras de mulher adulta, ainda existe uma jovem de franja, aparelhos nos dentes e um sonho de trabalhar com a internet, mas que hoje sabe que tudo requer equilíbrio. E que isso é fundamental.






Se cuidem, vizinhos de internet :)
AGRADECIMENTO SURPRESA:
Se você chegou até aqui, saiba que chegamos ao décimo texto publicado e um total de 33 inscritos <3 Sério, tá todo mundo aí? Obrigada por seguirem e lerem. Saber que vocês estão aí me motiva a continuar escrevendo por aqui.
FOMO: sigla em inglês para "Fear of Missing Out" ou, em português, “medo de ficar de fora”, que se trata de um fenômeno psicológico que se tornou cada vez mais evidente no contexto das redes sociais, a partir da disseminação de informações instantâneas e globalizadas.
WHY ‘CHRONICALLY ONLINE’ MEMES WILL DESTROY THE INTERNET: Our feeds are filling up with illegible content, and every day it gets harder to find common ground. Is social media in a death spiral? And if so, what comes next?